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A morte digital

  • Foto do escritor: Maria Aline
    Maria Aline
  • há 2 dias
  • 2 min de leitura

Um dia, você resolve desaparecer. Nada dramático, sem bilhete de despedida, sem textão de “vou sair das redes por um tempo, cuidem-se”. Só desativa. Some do Instagram, fecha a cortina, apaga a luz. Espera que alguém note, que sintam falta, que te mandem um “e aí, tudo bem?”, pelo menos nos primeiros dias.


Porque, até então, você acreditava, de verdade, que era relevante. Que tinha gente demais interessada na sua vida, nas suas opiniões sobre política, séries, café gelado e signos.


Acreditava que era assunto de grupo, de mesa de bar, que seus stories eram esperados como se fossem capítulos de uma novela que você mesmo escreveu.


Mas aí… silêncio.


Ninguém pergunta por que você sumiu. Os likes param, naturalmente, mas junto com eles, as mensagens, os convites, as marcações em fotos, até os ‘memes’ que mandavam dizendo “isso é muito você!”. Tudo evapora.


Parece que alguém apertou “delete” não só na sua conta, mas na imagem que você achava que tinham de você. E o baque vem forte: ninguém sentiu falta. Ou, talvez pior, nem perceberam que você saiu.


Fica quem? O grupo da família mandando bom dia com flor e glitter. Um ou outro amigo das antigas que ainda tem seu número salvo. Gente que não te segue, mas te conhece. Que lembra do seu aniversário sem notificação. Que te liga de verdade.


Aqueles que nunca curtiram uma foto sua, mas sentam do seu lado na vida.


Você começa a entender que o palco era de fumaça. Que você era interessante enquanto oferecia pauta, enquanto gerava conteúdo, enquanto rendia assunto. Mas, sem feed, sem reels, sem bastidor, você se torna um “nada digital”. Invisível.


E aí vem o tapa: talvez você nunca tenha sido importante, só útil. Um corpo que gera engajamento. Uma legenda que dá curtida. Um rosto que ilumina stories alheios. Quando você deixa de alimentar esse sistema, ele te cospe como se nunca tivesse te engolido.


A morte digital não é o fim. Mas é o luto de uma ilusão. E no silêncio desse velório invisível, você finalmente ouve quem ficou. E entende que, por trás da tela, há vida. Que sua presença no mundo real é medida por afeto, não por algoritmo.


E, curiosamente, é nesse esvaziar que você se enche. Volta a se enxergar sem o filtro. Volta a dar risada olhando nos olhos. Volta a ser pessoa. E descobre que ser “desinteressante” para a maioria é um presente raro: você volta a ser interessante para si.

 
 
 

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